19 de Setembro de 2.043

Katheryna olhou para o médico ao seu lado, que batia com a caneta na prancheta enquanto anotava alguma coisa após olhar para a máquina ao lado da cama. A enfermeira mexia no medidor de soro após ter trocado a bolsa, deixando-o cair gota a gota de maneira lenta e espaçada, afinal segundo ela a jovem havia reagido mal quando deixou que o líquido fluísse de forma comum.

Mas ela não se lembrava disso, afinal estava em coma.

Havia acordado há algumas horas e desde então passou por muitos exames: cabeça, corpo, coração... Tudo que podiam analisar na filha de Apolo foi feito e, naquela altura do campeonato, ela ainda não fora liberada para receber visitas e era mais de nove da noite. Queria bater os dedos em irritação, mas estava muito cansada para fazer qualquer coisa e tudo que desejava naquele momento era conseguir dormir.

— Bem, aparentemente está tudo ok. — Richard era médico formado, meio irmão de Katheryna e que devotou-se à arte da cura ao decidir seguir Asclépio. Era alto e com cabelos arenosos, bonito como o pai, mas com menos ganas de flertar do que o deus, o que lhe poupava dores de cabeça e também o emprego. — Não se preocupe, irmãzinha. Mais uns dias e poderá ter alta.

Katheryna apenas afirmou com a cabeça.

— Vou deixá-la dormir, deve estar cansada. Vou pedir para seus amigos virem amanhã, tudo bem? — o homem continuou e isso fez com que Walker concordasse com a cabeça. Richard, então, lhe fez um cafuné e beijou a testa pálida, cobrindo bem a menina antes de ir em direção à porta, acompanhado da enfermeira. — Durma bem, Katheryna. Chame se precisar, estarei no plantão.

E, após isso, retirou-se e deixou a semideusa completamente sozinha.

O quarto estaria mais silencioso se não fosse o insistente BIP do monitor cardíaco que mostrava que sim, estava viva, por culpa dos deuses e graças aos deuses. A jovem filha de Apolo soltou um suspiro pesado demais, que fez seu peito doer. Segundo Richard, seus amigos já haviam saído do hospital há dois meses enquanto ela ainda ficou ali, desacordada.

Não sabia o que havia acontecido depois de desmaiar com a dor insuportável que sofreu durante o julgamento, mas ficou sabendo pelo meio-irmão que os danos em seu corpo foram severos, embora não mortais: seus órgãos pareciam gelatinas e seus ossos todos trincaram, a pressão em seu crânio foi tão grande que uma de suas veias estourou e ela teve uma hemorragia, logo uma cirurgia de emergência foi necessária.

Graças a seu estado crítico, a jovem precisou ficar no CTI durante muito tempo, e mesmo Apolo e Eir aparecendo para curar seu corpo físico, Kath continuou dormindo durante todo aquele tempo.

A semideusa se lembra de sonhar, claro, e o mesmo era aterrorizante.

Quilômetros e quilômetros de um campo de trigo sem fim, no qual ela se perdeu e demorou muito tempo para achar a saída. Talvez seja por isso que não conseguia acordar antes. O sol ardia sua pele de uma forma escaldante, muito diferente do sol no mundo real que apenas fazia carinho na menina, e não havia uma brisa sequer. Tudo era monocromático, alto demais para sua estatura pequena, então não conseguia encontrar nada.

Um alguém. Uma direção.

Era um nada total.

Balançou a cabeça e então fechou os olhos, pronta para dormir novamente e acabar com a dor de cabeça infernal que havia começado.

E quando abriu os olhos, estava no campo de trigo novamente.

— Ah não... — sussurrou desesperada, sentindo as palmas das mãos suarem. Mexeu os olhos nervosamente, olhando para todos os lados enquanto o trigo batia em seu cabelo com o estranho vento que, desta vez, se fazia presente. — Não, não, não, de novo não!

Gritou em plenos pulmões, correndo para o primeiro lado que achou que seria a saída e errando grotescamente, fazendo seu coração disparar. Sua cabeça girou ao ponto de fazer Katheryna ajoelhar no chão de terra com falta de ar, o medo de ficar presa ali novamente dominando cada célula de seu corpo pequeno.

Então tudo ficou escuro.

— Kath! — escutou a voz tensa de Kanda soar alto, vendo o teto branco do hospital todo embaçado ao abrir os olhos.

A seu lado o monitor cardíaco apitava loucamente enquanto Richard parecia preparar alguma coisa em uma seringa. Sua mão livre das agulhas estava sendo segurada pelo japonês, que carregava uma expressão tensa e apavorada ao olhar as lágrimas que rolavam pelos lados de sua cabeça sem cessar, a respiração acelerada dava a impressão de que havia acabado de correr uma maratona.

— Yuu? E-Eu voltei? — perguntou em desespero, tentando com todas as suas forças sentar e abraçar o amigo, mas sentia-se fraca e desnorteada para isso. Então, com cuidado, o semideus inclinou-se na direção dela e a abraçou com conforto. — E-Eu estava lá de novo. Havia... Não havia nada. Nada! Só trigo. E-Eu não qu-quero voltar lá...

O choro alto e desesperado fez com que as outras Pétalas se juntassem à porta, embora Walker não tenha conseguido avistá-los por estar com o rosto colado ao peito do garoto enquanto chorava desesperadamente, agarrando-se a ele como se não fosse real.

Mas era.

Estava de volta, mas a que preço?