Priya segurou a respiração, a prendendo enquanto contava até dez na tentativa de parar o soluço que a incomodava desde que deixara o quarto. Caminhara apressada pelos corredores segurando-se para não dar soluços altos, já não bastava chamar atenção com suas vestes, ainda traria para si os olhares e risadas. A semideus constantemente se via em situações em que o soluço a incomodava, por pura ansiedade e nervosismo, não era a favor de estar naquele lugar e nem aquele lugar parecia quere-la ali.

Cruzou os braços sobre a barriga, pressionando-a enquanto entrava rapidamente na primeira sala que aparecia em seu caminho: a biblioteca. Curiosamente, era para onde Priya desejava ir. Preferia passar suas horas livres ali, viajando por mundos onde poderia ser qualquer outra pessoa que não ela. A semideusa nascera da união de uma indiana e um britânico, ou pelo menos fora levada a acreditar naquilo até a maior idade, quando veio à tona sua origem divina.

De qualquer maneira, sua mãe saíra da índia a procura de um lugar melhor para viver, longe da parte da cultura que oprimia as mulheres. Não queria aquilo para Priya, mas também não deixara de ensinar a ela todo o resto, a obrigando a conhecer as tradições e vestir-se conforme sua origem. Do outro lado, o pai de Priya brigava para que a menina não fosse levada para aquele caminho e pudesse escolher, quando tivesse idade, se queria aderir as tradições a religião indiana. Fora uma batalha quase perdida. Ambos ensinaram tudo que puderam de seus lados para a jovem, que tinha dois mundos completamente diferentes na cabeça, sem se sentir parte de qualquer um. Ainda insistia muito em seu lado indiano, mas vez ou outra, só queria ser uma garota britânica comum. Especialmente naquele lugar, onde todos pareciam a julgar por ser diferente.

A biblioteca estava quase vazia, talvez pelo horário de fim de semana, quando ninguém frequentava aquele lugar a não ser que precisasse. Então Priya não se deu ao trabalho de prestar muita atenção em seu caminho, apenas foi em direção a prateleira de ficção como quem conhecia aquele lugar muito bem. Até esbarrar em um jovem, a fazendo parar para se desculpar. Com receio de ser xingada, ou até mesmo agredida, Priya deu um passo para trás e não ousou levantar a cabeça.

— Por favor, me desculpe, não o vi – os olhos dela tentavam focar em algum ponto que a ajudasse a se acalmar, mas tudo em seu alcance de visão fazia parte ou do outro, ou de sua sombra.

Mas o que Priya via não era comum, os pés estavam descalços sobre o chão de madeira, no inverno. Seguindo pelos tecidos que arrastavam no chão, seus olhos foram subindo, curiosa com o que iria encontrar, um pouco mais acima deparava-se com a continuação de uma saia alaranjada que levava a uma cinta dourada e... Priya engoliu em seco, rapidamente levantando a cabeça e desviando o olhar do tronco desnudo do outro, enfim encarando com quem havia esbarrado.

As vestes do jovem remetiam ao antigo Egito, assim como suas feições a lembravam os egípcios que conhecera pelos corredores e livros de história. Priya tentou não esboçar qualquer reação, mas estava feliz e surpresa em ver que não era a única trajando roupas condizentes com sua origem.

— Espero que esteja bem, realmente não o vi.

O jovem abriu um sorriso, que a fez dar um longo suspiro, aliviada por não tê-lo machucado, ou ainda, ter de ouvir grosserias por um acidente que poderia ter ocorrido com qualquer um. Ele se desculpou, como se em algum momento pudesse ter sido culpa dele, Priya balançou a cabeça em negativa, tentada a dizer que não e apresentar os mil e um motivos pelos quais era descuidada e acabara causando aquele encontrão. Porém não o fez, ficou quieta o ouvindo falar.

Se anteriormente não estava corada, agora Priya era como uma maçã, aquecida num forno, sentia as bochechas quentes e começava a notar que seus olhos procuravam qualquer lugar que não fosse cruzar com os dele. O jovem notara que ela o olhara dos pés a cabeça, parando num ponto específico onde não era muito apropriado em nenhuma das culturas que fora criada, olhar. Pelo menos não da forma como fizera, direta. Ver homens bonitos sem camisa não fazia parte dos bons costumes que trouxera de sua residência, não daquela forma, tão informal, não ocasional e aleatória. Estava tão perdida na própria vergonha que demorou a pensar que talvez o jovem pudesse estar com frio.

— Prazer em conhecê-lo, Ramsés – fez uma breve pausa certificando-se de que havia pronunciado corretamente, por fim, estendendo a mão para cumprimenta-lo — Me chamo Priya... Desculpe ficar encarando – ela uniu as próprias mãos junto ao corpo, pressionando a dobra entre o dedão e o indicador — Dá onde venho não é muito comum a falta de... roupa? – Priya deu uma risada abafada e sem graça — Perdão, não me importo com a forma como se veste, apenas não é algo comum para mim, prometo que não irei ficar encarando.